quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Estudos acadêmicos sobre video games? Esqueça.

Lendo o Kotaku, achei o resumo deste artigo feito pelo próprio blog e resolvi lê-lo na integra. De tão interessante, polêmico e revelador, decidí traduzí-lo na íntegra para vocês, queridos (des)leitores. O texto é enorme, como podem perceber, então aqui vai uma amostra grátis do argumento:

"Dizer que os jogos diferem "apenas no conteúdo violento" é mentira, mas a assertiva é típica dos tipos de erros que pesquisadores cometem quando estão estudando jogos eletrônicos. Pesquisadores com frequência costumam parear jogos sem relação alguma mas agem como se eles fossem equivalentes. Uma experiência contrasta o jogo de horror sci-fi Doom 3 com o jogos de tijolos descendentes Tetris. Outro pareia o jogo sombrio de infiltração e suspense Manhunt com um jogo colorido e rápido baseado no desenho Animaniacs. Títulos arrasa-quarteirão modernos com gráficos realistas e jogabilidade complexa são comparados com versões shareware de Pac-Man. Você tem a sensação que se estudiosos de jogos eletrônicos estudassem frutas, eles não veriam diferença entre uma maçã e uma laranja."

Vamos ao texto.


Por que as pesquisas em jogos eletrônicos é falha.
Estudos que divulgam a idéia que jogos eletrônicos são prejudiciais as crianças são conduzidos por pesquisadores cujo conhecimento sobre jogos eletrônicos é embaraçosamento parco. Por Chris LaVigne.

O que 23 lutadores de artes marciais tem em comum com um marsupial australiano falante? De acordo com um time de pesquisadores de jogos eletrônicos, eles são idênticos.

Ano passado, o periódico Agressive Behavior publicou um estudo feito por um grupo de psicólogos holandeses examinando os jogos e a violência em crianças. Como na maioria das pesquisas sobre jogos eletrônicos, uma falta fundamental de conhecimento sobre os jogos levou a um estudo que nenhum jogador consideraria confiável.

Outros psicólogos, cientistas sociais, juízes e representantes da indústria dos jogos já tem manifestado seu desacordo com pesquisas que propositalmente ligam jogos eletrônicos à violência ou agressão. Em meio a várias críticas, eles dizem que os resultados encontrados em laboratório não estão relacionados ao que ocorre no mundo real, que medidas de violência e agressão são inconsistentes e não-confiáveis, que pesquisadores ignoram evidências contraditórias e que os periódicos preferem publicar artigos que colocam os jogos em maus lençóis.

Ainda há uma crítica muito mais básica que precisa ser feita a pesquisa sobre jogos eletrônicos. Os pesquisadores, simplesmente, não entendem os jogos eletrônicos

Em uma organização típica da pesquisa sobre jogos eletrônicos, os psicólogos holandeses dividiram seus participantes em grupos, onde alguns jogariam um jogo violento e outros um jogo não-violento. Daí em diante, eles mediram os níveis de agressão. (O estudo holandês também incluiu um grupo que apenas assistiu o jogo "violento" sendo jogado). Os psicólogos holandeses escolheram os jogos Tekken 3 e Crash Bandicoot 2 do Playstation como seus jogos postos em contraste, assegurando aos leitores que o primeiro "diferia somente quanto ao conteúdo violento" do último.

Qualquer pessoa sugerindo que a presença de violência é a única diferença entre Tekken 3 e Crash Bandicoot 2 não pode ser levada a sério. Tekken 3 é um jogo de luta em que o jogador controla um dentre 23 lutadores (a maioria humanos, alguns cyborgs e criaturas humanóides, além de um urso treinado) em um torneio de artes marciais mistas. Os modelos das personagens são tão realistas quanto a tecnologia poligonal de 1998 permitia, mas muitas de suas técnicas de luta são irreais. Um lutador pode teleportar-se, por exemplo.

Crash Bandicoot 2, por outro lado, é um jogo de aventura/ação com gráficos cartunescos em 3D. Os jogadores controlam Crash, uma marsupial antropomórfico, que corre e pula pois cenários inspirados na Austrália, desviando de armadilhas e derrotando inimigos humanóides animais pulando em cima deles, rodando neles ou jogando o corpo neles.

Tekken 3 caracteriza-se por uma série de lutas com tempo determinado, posto que Crash Bandicoot 2 permite que os jogadores explorem ambientes e progridam por níveis. A jogabilidade é diferente. O estilos gráficos não são os mesmos. A maioria das personagens são humanos em um, e mais animais no outro. Os esquemas de controle não coincidem. Além do mais, Crash Bandicoot 2 é mesmo não-violento. Os jogadores matam os inimigos de Crash quando eles os atacam.

Dizer que os jogos diferem "apenas no conteúdo violento" é mentira, mas a assertiva é típica dos tipos de erros que pesquisadores cometem quando estão estudando jogos eletrônicos. Pesquisadores com frequência costumam parear jogos sem relação alguma mas agem como se eles fossem equivalentes. Uma experiência contrasta o jogo de horror sci-fi Doom 3 com o jogos de tijolos descendentes Tetris. Outro pareia o jogo sombrio de infiltração e suspense Manhunt com um jogo colorido e rápido baseado no desenho Animaniacs. Títulos arrasa-quarteirão modernos com gráficos realistas e jogabilidade complexa são comparados com versões shareware de Pac-Man. Você tem a sensação que se estudiosos de jogos eletrônicos estudassem frutas, eles não veriam diferença entre uma maçã e uma laranja.

A maioria dos pesquisadores assume que jogos eletrônicos são completamente intercambiáveis entre si, um conceito que qualquer jogador acharia tão ridículo quando a idéia que todos os livros são a mesma coisa ou todos os filmes basicamente idênticos. Um estudo feito por dois pesquisadores americanos de mídia reconheceu esta limitação. Em um artigo publicado no Journal of Communication em 2007, James Ivory e Sriram Kalyanaraman escolheram cuidadosamente comparar jogos violentos e não-violentos com estilos e jogabilidade e estilo muito parecidos. Provavelmente não por coincidência, o estudo deles não encontrou diferenças significativas nos níveis de agressão entre os jogadores dos jogos diferentes.

Muitos dos erros que pesquisadores fazem seriam óbvios para jogadores de jogos eletrônicos. Um estudo utilizando o jogo de luta sangrento Mortal Kombat: Deadly Alliance mediu atos agressivos dentro do jogo somente quando os jogadores usaram armas, mas não as mãos e os pés dos lutadores. Fãs de Mortal Kombat apontariam que causar o maior dano no jogo não tem nada a ver com usar ou não as armas. Outro estudo concluiu que jogadores do jogo de tiro contra zumbis House of Dead 2 eram mais rápidos em identificar rostos enfurecidos do que jogadores de um jogo de kayak. Os autores do estudo consideraram isso como uma evidência que jogos violentos produzem pensamento agressivo. Jogadores afirmariam que House of Dead 2 é um jogo de tiro que utiliza muito os reflexos. O sucesso no jogo depende especificamente na capacidade de identificar rostos agressivos rapidamente. Com certeza, isso afetaria os resultados do estudo.

Enquanto experimentos individuais sofrem muitas falhas de desenvolvimento como essas, os problemas mais comuns vêm de como pesquisadores definem quais jogos são violentos ou agressivos. Pessoas familiarizadas com jogos sabem que existe mais de um tipo de violência. Pesquisadores, então, são chocantemente imprecisos. Eles não distinguem entre violência cometida em inocentes ou cometida contra "caras maus", humanos ou animais, seres vivos ou maquinas, monstros ou criaturas sobrenaturais, veículos ou propriedade, soldados ou terroristas, ou tantos outros aspectos que afetam como os jogadores percebem a violência. Nós nunca amalgamaríamos filmes dessa maneira. Nós todos sabemos que há uma diferença entre a violência em O Resgate do Soldado Ryan, O Cavaleiro das Trevas e Kung Fu Panda.

As mesmas diferenças existem em video games. A séria Mortal Kombat é notoriamente sanguinolenta, mas jogadores enxergam o sangue e as tripas como ridículas, não realistas. Os jogos da série Super Mario são considerados não-violentos, mas o ícone Mario de fato mata centenas de criaturas esmagando-as com o peso do seu corpo, atirando bolas de fogo ou alimentando-as com bombas. Jogos de Segunda Guerra Mundial como Call of Duty são jogos de tiro violentos, mas jogadores re-encenam batalhas históricas reais nos jogos e nobremente liberam o mundo virtual das forças do Eixo. Todos são violentos, mas em sentidos radicalmente diversos.

Pesquisadores também não dizem se o nível de violência do jogo está relacionado a quantidade de violência ou a brutalidade da violência. Será que um único ato violento torna o jogo violento? Um jogo sem sangue é menos violento que um jogo que mostre sangue, mesmo se as ações sejam as mesmas? Um jogo ainda conta como violento se o jogador testemunhar a violência ao invés de provocá-la?

Em alguns estudos, pesquisadores utilizam classificações (rankings) para avaliar quanta violência uma pessoa experimenta em suas partidas de jogo. Os resultados parecem científicos e matemáticos, mas eles são inúteis. Por exemplo, duas psicólogas alemãs, Ingrid Möller e Barbara Krahé, usaram o sistema de classificações de seis estudantes universitários para atribuir valores numéricos subjetivos aos jogos. Uma classificação de cinco representava um vago "alto nível de conteúdo violento". Adolescentes listaram os jogos que eles jogavam e então os psicólogos classificaram cada criança dependendo do quão alta era a soma total da classiflicação de violência dos seus jogos.

O estudo, e outros que usam um sistema similar, tem duas falhas principais. Sem uma definição precisa de violência, é difícil determinar porque determinados jogos foram classificados com números mais altos que outros. Muitas classificações não fazem muito sentido. A classificação baixa de 2.67 do jogo de fantasia e estrategia WarCraft é estranha dado que o jogo é um simulador de guerra, enquanto que o jogo de Segunda Guerra Mundial Medal of Honor ganhou uma classificação de 4.75. As diferenças eram devidas a ambientação fantástica de WarCraft (humans lutando contra orcs), a utilização de armas de fogo em Medal of Honor, ou em vista da visão aerea do jogo que distancia os jogadores da matança enquanto que Medal of Honor utiliza uma perspectiva em primeira pessoa? É impossível discernir e isso questiona a precisão das classificações em questão.

A outra falha é que associar números a jogos não nos proporciona informação útil alguma. Qual a diferença entre um jogo com a classificação 2.00 e uma 4.00? O último é duas vezes mais violento? Com efeito, o que "duas vezes mais violento" significa? Mais armas? Mais exemplos de violência? Mais sangue? Quando medimos distâncias, podemos discernir a diferenças entre 2.00 cm e 4.00 cm por sabemos precisamente o que os números representam. Classificar jogos com valores numéricos provê a ilusão de precisão sem significar nada mesmo.

Alguns pesquisadores apontam que os resultados de seus experimentos são limitados ao jogo ou gênero específico que eles utilizaram. A maioria não. Eles generalizam seus resultados como se eles se aplicassem a todos os "jogos eletrônicos violentos", um feito que é ainda mais ridículo uma vez que eles não definem o que é um "jogo eletrônico violento". Muitos também selecionam jogos questionáveis em suas pesquisas, escolhendo títulos com níveis extremos de violência que nunca foram particularmente populares entre os jogadores e contrastando-os com jogos gratuitos amadores de baixa qualidade dos quais ninguém nunca ouviu falar. E então esses supostamente representam todos os jogos eletrônicos. Estes saltos de ilógica fazem da leitura de pesquisas em jogos eletrônicos ser como uma espiada dentro de um universo paralelo, onde tudo parece internamente consistente, mas nada condiz com o mundo real. Pesquisadores citam estudos equivocados como fatos provados, e baseiam suas suposições nesses erros e reproduzem os mesmo erros em seus próprios experimentos. A seguir, suas pesquisas são divulgadas acriticamente na mídia, são usadas como evidência por políticos e advogados para restringir a venda de jogos, e amedrontam pais ao redor do mundo. Uma quantidade crescente de acadêmicos (e.g., Andrew Przybylski, Christopher Ferguson) mais acostumados com jogos eletrônicos estão clamando para que a pesquisa melhore. Se ela melhorar, será uma mudança que jogadores mal-representados tem merecido a muito tempo.


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